Em um momento em que o mundo discute as urgências ambientais, na busca por modelos econômicos mais justos, a economia circular surge como alternativa estratégica e necessária. Este modelo difere da lógica linear de produção, uso e descarte. A economia circular valoriza a reutilização, reciclagem para prolongar a vida útil dos materiais e mitigar os impactos ao meio ambiente.
No Brasil, há avanços expressivos. Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), cerca de 85% das indústrias já adotam práticas circulares, como logística reversa, reúso de efluentes e reciclagem de materiais. Em maio de 2025, o governo federal lançou o Plano Nacional de Economia Circular, com 71 ações e 18 macro-objetivos que visam consolidar essa abordagem até 2035.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a economia circular pode reduzir em até 23% o consumo de água e 47% o uso de minérios até 2030. No setor industrial, 76,4% das empresas já desenvolvem iniciativas circulares, como reaproveitamento de resíduos e eficiência energética.
Um dos indicadores mais recentes é a reciclagem de alumínio. Em 2024, o Brasil reciclou 97,3% das latas produzidas, segundo o Instituto Brasileiro do Alumínio (IBAL). Esse índice coloca o país entre os líderes mundiais e deixa evidente o potencial da economia circular para unir eficiência energética, tendo em vista que a reciclagem consome até 95% menos energia do que a produção primária.
*O que é economia circular?*
Diferente do modelo linear de produção e consumo - que extrai, produz, consome e descarta -, a economia circular procura manter os recursos pelo maior tempo possível por meio de reutilização, reciclagem e recuperação de materiais. Como resultado, há redução de desperdício e do impacto ambiental negativo, atrelados a uma produção e consumo mais eficientes e sustentáveis.
O conceito foi apresentado pelo arquiteto e economista suíço Walter Stahel, na década de 1970, nomeado como “economia de desempenho”. Mais tarde, em 1976, em parceria com Genevieve Reday, Stahel apresentou um relatório que delineava os princípios da economia circular à Comissão Europeia. Em 2010, a fundação britânica Ellen MacArthur consolidou e difundiu o conceito globalmente.
*Iniciativas cearenses*
O Ceará tem se destacado nacionalmente por iniciativas que promovem a economia circular como estratégia de desenvolvimento sustentável. As políticas voltadas à regionalização da gestão de resíduos e à criação de consórcios intermunicipais viabilizaram a atuação da Regenera Cariri, concessionária responsável pela gestão de resíduos sólidos em nove municípios que integram o Consórcio de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Cariri (Comares). O estado busca superar a lógica do descarte e transformar resíduos em recursos. No entanto, ainda há desafios como o baixo índice de reciclagem, a informalidade das cooperativas de catadores e a falta de dados consolidados sobre a destinação dos resíduos.
A professora do curso de Engenharia Ambiental do Instituto Federal do Ceará (IFCE) em Juazeiro do Norte, Janisi Aragão, destaca que os maiores desafios da economia circular no Cariri são a infraestrutura limitada e a falta de conhecimento popular. “Um dos maiores desafios, acredito ser a própria falta de planejamento e execução das etapas do gerenciamento, como a infraestrutura ainda limitada para coleta seletiva e reciclagem. Além disso, o não conhecimento da população em relação aos danos ambientais dos diferentes tipos de resíduos gerados e descartados de forma inadequada, e a falta de engajamento da população na segregação dos resíduos recicláveis”, completa.
Por outro lado, há grandes oportunidades, como a geração de renda para catadores e a possibilidade de fortalecer a economia local. “A cadeia da reciclagem, principalmente para os catadores de materiais recicláveis, visto o grande número pessoas atuando nessa área, a valorização de resíduos orgânicos para produção de adubo, a geração de energia através do gás metano de aterros sanitários, e a chance de fortalecer a economia local com negócios sustentáveis”, destaca Janisi.
*Iniciativas que se destacam*
A economia circular também se manifesta em iniciativas culturais e sociais. Criado na cidade do Crato, durante a pandemia de Covid 19, em 2020, pela advogada Candice Cardoso, o Bazar da Casa Verde é mais que um brechó, é um espaço de ressignificação, com curadoria afetiva e moda com preço acessível. Candice diz que a ideia é desmistificar a ideia de que brechó é um lugar desorganizado ou com roupas em mau estado.
Ao promover o consumo consciente e combater estigmas sobre roupas usadas, o projeto gera renda, fortalece a economia local e estimula práticas solidárias. “Roupas que eram minhas ganharam nova vida em outros guarda-roupas. Hoje, o bazar também se expandiu para além de mim porque recebo peças em consignação. Já passaram por aqui quase 200 fornecedoras — algumas pontuais, outras recorrentes. Isso mostra que o brechó movimenta várias frentes da economia circular, gera renda extra para quem deixa suas peças, garante sustentabilidade financeira para quem administra o espaço e proporciona economia para quem compra”, lista.
Segundo Candice, o Bazar da Casa Verde já colocou na economia circular mais de 8 mil peças de roupas e acessórios. “Ainda existe a ideia de que comprar novo é símbolo de status, mas cada vez mais vejo pessoas que poderiam consumir em lojas tradicionais optando pelo brechó. Elas refletem não só sobre sustentabilidade, mas também sobre consciência financeira: ‘Será que eu preciso mesmo?’ ‘Preciso pagar esse preço?’”, reflete a advogada.
*Sustentabilidade, arte e cultura*
A economia circular tem ganhado força, também, como alternativa sustentável para o setor cultural. No Cariri, essa ação se materializa no trabalho do Mestre Aécio de Zaira, artesão e músico do Crato, que transforma materiais descartados em instrumentos musicais. Ao reutilizar madeira, metal e outros resíduos, ele não somente evita o desperdício, mas também ressignifica objetos que seriam descartados, dando uma vida nova por meio da arte.
A iniciativa de Mestre Aécio é um exemplo vivo de como a circularidade pode promover inclusão, criatividade e preservação ambiental. Seus instrumentos, além de funcionais, carregam histórias e saberes populares, conectando tradição e inovação. Ao unir sustentabilidade e cultura, o mestre contribui para um modelo de desenvolvimento que valoriza os recursos locais e inspira novas formas de pensar o consumo e a produção.
Já em Potengi, o Mestre Françuíli transforma o que seria descartado em arte e memória. Reconhecido por sua habilidade em trabalhar com flandre (lâminas de metal) reaproveitadas, ele cria miniaturas de aviões, helicópteros, foguetes e até discos voadores, em um processo que une criatividade, sustentabilidade e saber popular. Suas obras estão reunidas no Museu Orgânico Oficina do Mestre Françuíli, espaço que celebra a inventividade nordestina e reforça como a economia circular pode dialogar com a cultura, valorizando recursos locais e promovendo educação ambiental.
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